quarta-feira, 29 de junho de 2016

A mão que faz o livro


A mão que faz o livro: um panorama sobre a história da produção editorial, as etapas de produção e o mercado atual

Em sua palestra “O negócio do livro”, o coordenador editorial da EdUERJ, Mauro Siqueira, convidado para o encerramento dos encontros com editores, apresentou os caminhos do livro. O cuidado com cada etapa do processo editorial, sua origem e história, bem como sua evolução e transformações através dos séculos,conjugados com o papel do profissional de Letras nesse caminho, foram alguns dos temas abordados.
Mauro Siqueira

Formado em Letras pela UERJ e em Publishing Management pela FGV, entre 2011 e 2012 foi produtor editorial da Ediouro Publicações, onde atuou como assistente editorial. A respeito desse período, relatou fatos peculiares sobre o processo de compra do livro de J.K. Rowling, Morte Súbita, que movimentou e encheu de expectativas o mercado editorial mundial. Em 2013 trabalhou na produção editorial da Editora Fiocruz e desde 2011 é editor da revista cultural RapaDura, que possui versão impressa (semestral) e digital (bimensal).
Mauro também é escritor.Seu primeiro livro de contos, De vermes e outros animais rastejantes, foi publicado pela editora Multifoco em 2008. O palestrante mantém ainda um perfil no Instagram chamado Pequenas Colisões, onde cria pequenas narrativas através de imagens e fragmentos. Siqueira integra, desde 2008, o corpo editorial da EdUERJ, atuando hoje como coordenador interino de produção editorial. Ele é um dos responsáveis pela implantação do EdUERJ Digital, segmento que visa atender a demanda da editora e do mercado por e-books.

EdUERJ

A EdUERJ começou suas atividades em 1994 e hoje, com mais de vinte anos de história, está consolidada como um agente de promoção e divulgação do saber. Sua preocupação com a excelência naqualidade editorial garantiu-lhe o reconhecimento não apenas da comunidade acadêmica, mas também do grande público. O minucioso trabalho com a linguagem e o projeto gráfico que lhe é peculiar já garantiram àEdUERJcinco prêmios. Seu catálogo hoje conta com mais de 330 títulos.
A editora é responsável, também, por importantes publicações voltadas para o debate a respeito da educação, como a "Coleção pesquisa em educação", que reúne trabalhos com enfoque em questões pedagógicas.
Uma das produções mais significativas da editora é a coleção “Ciranda da Poesia”,composta, até o momento, por vinte e oito volumes. Com um panorama de diferentes visões, leituras e tendências críticas, a coleção aponta para uma renovada e ampliada maneira de apreciar a poesia nos dias de hoje. Seus autores/organizadoressão poetas, acadêmicos e críticos contemporâneos. Entre eles, encontramos alguns dos professores da UNIRIO, como Júlia Studart, que se dedica à obra de Nuno Ramos, Manoel Ricardo de Lima, que analisa Aníbal Cristobo, Marcelo Santos, que se foca no trabalho de Afonso Henriques Neto, e Masé Lemos, que se debruça sobre a obra de Marcos Siscar.



O negócio do livro
Mauro Siqueira refez a história do livro desde a antiguidade, passando por Gutenberg e pelo desenvolvimento de técnicas e mídias, até a criação do ISBN e as modalidades mais modernas do fazer editorial.
Através de um panorama da produção dos livros ao longo do tempo, pudemos ver a evolução dos meios de produção e das matérias-primas para a confecção do livro, como, por exemplo, a invenção do papel, que causou a primeira revolução nos conceitos de produção editorial e de livro. Na antiguidade, os suportes disponíveis eram o papiro e posteriormente o pergaminho, sendo o primeiro mais frágil e com durabilidade relativamente menor, pois era obtido a partir de uma planta.O pergaminho era feito a partir do couro de animais e tinha a vantagem de poder ser reutilizadoe ainda costurado, o que fez com que a ideia de livro, enquanto compilação, fosse ganhando forma. Essas foram asbases mais comuns na Europa até o início da Idade Média, quando,através das navegações, o papel chegou da China, que já o havia desenvolvidono início da era cristã.
Até o desenvolvimento das primeiras técnicas deimpressão, através de blocos talhados em madeira e, mais tarde, marcando o início da eramoderna, a tipografia, desenvolvida por Gutenberg, os livros eram produzidos de forma bastante artesanal. Os mosteiros se concentravam como o polo produtor dessematerial por meio dos copistas. Até então, os livros eram peças grandes e bastante valiosas, itens de luxo. Através da invenção de Gutenberg, a produção editorial sofreu umagrande revolução e pôde ser ampliada, alargando o público consumidor. O livro assim começa a sofrer uma série de mudanças, tornando-secada vez mais portátil e barato, até chegaraos livros de bolso.
Sobre o ISBN (International Standard Book Number), Mauro Siqueira explicou que se trata de um sistema de identificação unificado internacionalmente para livros e publicações nãoperiódicas. Esse modelo surgiu no Reino Unido em 1967 como sistema de gerenciamento de obras em uma livraria, mas começou a ser adotado por outros comerciantes e bibliotecas, até que se transformou em norma padrão internacional em 1972. Esse sistema possui todas as informações fundamentais para identificação de uma publicação, não sendo limitado por barreiras linguísticas, o que facilita a circulação e comercialização. Até 2007, contava com dez dígitos, mas com o constante aumento no volume da produção editorial, a partir de então, passou a ter treze.


            As partes de um ISBN indicam grupo (país ou área idiomática), editor (cada casa editorial possui número próprio), item (número da publicação entre as obras publicadas pela editora) e dígito de verificação. Esse número é utilizado no código de barras, precedido pelo EAN (EuropeanArticleNumber), que indica o tipo de indústria. No caso, 978 indica a publicação de livros.
A estrutura de uma editora moderna foi outro aspecto abordado. Há um grande caminho pelo qual passa o texto até que se torne livro. Tudo se inicia com o autor, que faz contato com o editor, seja diretamente ou através de agentes literários. Segue-se, então, o início da cadeia de produção, com o copidesque, as revisões e possíveis adequações técnicas e normativas, a preparação de originais, a diagramação, a arte, a capa, a elaboração de releases, a divulgação (marketing) e finalmente a distribuição para livrarias. Todas as etapas do processo produtivo(editorial) precisam dialogar entre si e se mostram fundamental para o resultado final. Em quase todas essas etapas, a presença do profissional de Letras pode ser encontradano processo de criação da obra.
Por fim, Mauro Siqueira apontou as dificuldades da produção de livros através de uma universidade pública eas limitações dos fomentos governamentais. Ressaltou também  o profissionalismo de todos os envolvidos se reflete no processo e conclusão da obra. Para ilustrar essas questões, comentou a crise política e financeira que vive o estado no momento e como ela vem afetando diretamente a produção. Desta forma, ficou clara a necessidade de uma postura criteriosa por parte do editor ao escolher seus profissionais e os projetos nos quais deseja trabalhar, bem como a responsabilidade daqueles que um dia pretendem dedicar-se ao ramo editorial.


Por: André Franco, Gabriel Ferreira e Vanessa Ribeiro

Verso Brasil e o mundo editorial


Sobre Valéria Lamego

Valéria Lamego é mestre pela Escola de Comunicação da UFRJ e doutora em literatura brasileira pela PUC-Rio. Sua pesquisa de mestrado, sobre a escritora Cecília Meireles, se desdobrou em dois livros - A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30 (Record, 1996) e Obra em prosa de Cecília Meireles (Nova Fronteira, 1997). Como desdobramento dos estudos do doutorado, sobre Lúcio Cardoso, organizou o livro do escritor Contos da ilha e do continente
Em 2010 recebeu o Prêmio Funarte de Criação Literária com oromanceinéditoCrime na Noite. Coordenou, dentre outros, os seminários “Laboratório do Escritor”, de 2006 a 2009, e “Múltiplos e Contemporâneos: a literatura.com”, em 2013.
Em 2000, Valéria Lamego fundou aVerso Brasil Editora, sobre a qual discorreu em sua palestra.

Sobre a Verso Brasil e o trabalho de editora

A Verso Brasil Editora tem como objetivo a publicação de livros de arte e de referência. Logo em seu início criou um vínculo placentário com a revista Veredas, antigamente publicada no Centro Cultural Banco do Brasil, localizado no Rio de Janeiro.
A revista foi a primeira publicação da nascente editora e teve noventa e uma edições,abrindo espaço para circulação de reflexões em torno da cultura. Chegou ao fim no ano de 2003.
Dentre muitos trabalhos importantes, a editora publicou e editou o Impresso no Brasil: destaques da história gráfica no acervo da Biblioteca Nacional(1808-1930), organizado pelo crítico de arte Rafael Cardoso. O livro, quereuniu um acervo praticamente abandonado, conta a história da arte gráfica brasileira de 1808, com a Imprensa Régia, até a década de30 do século XX e foi, portanto, grande contribuinte para o momento em que a editora passou a publicar livros de arte, em 2009.



Após sua consolidação, a até então pequena Verso Brasil, ganha seu primeiro prêmio Jabuti com o livro O Gráfico Amador, na categoria Projeto Gráfico. Atualmente, Lamego constrói uma linha editorial que reúne o design com as artes gráficas.
Valéria Lamego apresentou, na palestra,inúmeros livros publicados pela editora ao longo dos anos, refletindo com os ouvintes sobre sua produção. Explicou que para produzir livros não basta ter uma ideia;éexigida uma demanda de capital para investimentoe eventos de divulgação, entre outras coisas que vão além da pura abstração.
Nesse viés, a editora publicou livros para grandes empresas, como o livro da história da Companhia Vale do Rio Doce, de 2012, produzido e idealizado pela própria Valéria:



Com o lançamento do livro Vale, em comemoração aos 70 anos da mineradora, a Verso Brasil ilustrou em 420 páginas, com riqueza de cores e imagens, a preservação da história de uma das maiores e mais importantes companhias presentes no território nacional.  
No escopo deste livro, Valéria mencionou a importância de uma impressão de qualidade, o que é vital para o sucesso da arte gráfica do trabalho. Disse que a impressão é composta por quatro cores, mas há cores especiais, como dourado e prata, que devem ser imprimidas separadamente. São chamadas de “a quinta cor”.
A editora deixou claro que acompanha de perto o trabalho de impressão de suas publicações, salientando sempre a importância de ter como aliada uma boa gráfica. Outros lançamentos importantes, como o livro de Ramon Nunes Mello Há um mar no fundo de cada sonho (2016) e o box Cadernos do Samba (2013), colocaram a editora no mercado como portadora de uma dicção própria e criativa.

Selo Aniki



A Verso Brasil inaugura junto ao lançamento deHá um mar no fundo de cada sonho(2016), de Ramon Nunes Mello–autor confirmado na Flip (Festa literária internacional de Paraty)de2016–o selo Aniki, sendo este o seu primeiro título. O livro,ao reunirartes gráficas, poesia e ficção, tem uma propostaque se encaixa perfeitamente na ideia por trás de Aniki.
  

Coleção Cadernos do Samba

Outro grande marco para a editora foi o lançamento dos primeiros livros da coleção Cadernos do Samba.Com a proposta de reverenciar os personagens e as agremiações que fazem dos desfiles das escolas de samba o maior espetáculo daTerra, a Verso Brasil concebeu e desenvolveu esta coleção em parceria com o jornalista Aydano André Motta. 
Foram lançados, em 2013, os três primeiros livros da coleção: Marcadas para viver: a luta de cinco escolas, de João Pimentel; Maravilhosa e soberana: histórias do Beija-Flor, de Aydano André Motta; e Tantas páginas belas: histórias da Portela, de Luiz AntonioSimas.


Em uma entrevista publicada por Fábio Silva para o site Galeria do Samba,em19 de novembro de 2013, Valéria diz:

Há três anos sentimos falta de bibliografia sobre as escolas de samba cariocas. Devido a essa lacuna percebemos como a cultura dita formal estava relegando e renegando uma das formas culturais associadas à cultura da cidade do Rio de Janeiro e a todo país. A ideia dos Cadernos é de inserção do carnaval das escolas de samba numa discussão que ultrapasse a Avenida.


Valéria Lamego esforça-se para realizar seus projetos que visam o livro-objeto em meio a um mercado editorial competitivo, em que se faz necessário criar um nicho específico para possível estabelecimento. No caso da Verso Brasil, optou-se pelo nicho artístico.


Por: Carolina Vik, Marco Antonio Silva e Sara Sabino

Do texto ao livro – Os caminhos da produção editorial


O tratamento profissional de textos na cadeia produtiva do livro

Quando entramos em uma livraria e admiramos, folheamos ou desejamos os livros ali expostos, muitas vezes nos passa despercebido o longo caminho percorrido até aquelas obras estarem prontas para nosso contato. Ao pensarmos este caminho, percebemos todo o valor daquele objeto, para além do conhecimento e informações que constituem o seu conteúdo. A palestra da editora Silvia Rebello, diretora da BR75 Produções, foi um grande passeio pelos caminhos percorridos pelos textos, que ganham vida pelas mãos do autor, passando pelas mãos do editor e por todas as outras mãos que trabalham em conjunto e em sequência para transformá-los em livro.



Silvia, que é formada em Letras e em Design Gráfico, além de ter mestrado e doutorado em linguística pela PUC-Rio, contou para nós, alunos de Letras da UNIRIO, sua experiência profissional no ramo editorial. Por ter começado a trabalhar em uma pequena editora chamada Revan, cujo catálogo apresenta publicações que vão de ficção a ciências sociais, teve participação direta em todas as etapas de produção de um livro. Trabalhou como revisora de textos, coordenadora de produção editorial, editora e gerente de produção editorial, incluindo-se aí uma experiência em gerenciamento editorial com foco digital, até fundar a BR75, onde atua como diretora editorial, o que, segundo as palavras da própria Silvia, “na verdade significa continuar participando ativamente de todos os processos e passando maravilhosas noites sem dormir”.
Citando uma dedicatória de Raquel de Queiroz para seu editor, José Olympio, a palestrante conseguiu resumir os caminhos e esforços envolvidos na criação de um livro:

A gente entrega um monte de papel datilografado, riscado, torturado. Desses cadernos sofridos você faz essa bela e nobre coisa que é o livro, e o reproduz em dezenas de milhares e espalha por esse mundo. Então nos fica essa dúvida: de quem é mais o livro? Seu ou nosso?

Complementado esta declaração, Silvia também compartilha um texto de Gabriel Perissé intitulado “Quem mexeu no meu texto?”, em que o autor faz uma série de descrições da árdua tarefa do revisor, “o último a ler o livro antes da fase de impressão gráfica, quando não há retorno”. A partir daí, Silvia Rebello começou a explicar o processo de produção do livro, utilizando-se de uma detalhada apresentação em PowerPoint. Para ganhar vida, o livro sai da mente do autor, é entregue ao editor e depois vai passar por um tratamento profissional na cadeia produtiva que inclui as seguintes etapas: criação de conteúdo, produção editorial, produção industrial, etapas comerciais.

O processo de revisão

            É na fase da produção editorial que o serviço da revisão será efetivamente realizado. Esse pode acontecer, segundo os moldes da BR75, em diversas etapas. O copidesque é uma etapa em que a preocupação principal é a fluência do texto: trata-se de uma verificação de possíveis dificuldades na leitura. Após o copidesque, vem a revisão tipográfica: verificação dos erros gramaticais e de ortografia. Além destes, também há uma revisão posterior chamada cotejo, que é uma verificação de ausências de formatações (itálicos, negritos, fontes diferentes) durante processos de copiar e colar.
            É esperado que o profissional de revisão goste de leitura e seja conhecedor da norma culta da língua portuguesa. Estas características vão auxiliar em todas as etapas de revisão, inclusive com a fluência do texto. Também é importante que o revisor possua um olhar atento para a estrutura do texto, podendo encontrar rapidamente erros que muitos não notariam. Por isso os leitores com uma pequena dose de TOC, às vezes, podem ser bons profissionais nesta área. Outra característica muito importante é o bom senso. O conhecimento do público a que se destina a obra e o bom relacionamento com o autor são fatores que ajudam a responder a pergunta que todo revisor faz: “até onde eu posso ir?”.
            Em sua palestra, Silvia também tratou de questões que certamente permeiam a cabeça dos alunos do curso de Letras que anseiam entrar para o mercado editorial, como, por exemplo: Como saber se o aluno leva jeito para a coisa? Para quem pensa em se embrenhar pelo mundo editorial, Silvia deixou a dica das principais características de um bom profissional de texto: ser, acima de tudo, um leitor, ser sensível, observador, ter diversos perfis dentro da profissão, ser amante da língua e também uma patrulha da língua, ser humilde e seguro na relação com o autor e com o original, ser curioso, conhecedor das ferramentas de trabalho, amante dos padrões e um zelador da fluência do conteúdo.
Foi proveitoso ouvir as considerações de uma profissional que está há 15 anos no mercado editorial e conhecer com mais proximidade as questões envolvidas nesta área de trabalho. Realmente não é fácil. Por outro lado, pode ser fascinante ter noites maravilhosas sem dormir, mergulhado na missão de produzir e finalizar a tempo uma obra que chegará às mãos de muitos, levando ideias, fantasias, sonhos, imagens e conhecimento.


Por: André Fraga Fernandes, Bruna Villete e Willians Araújo.

Entre a tradição e o mercado: a trajetória da Editora Zahar

O editor Mauro Gaspar, em palestra realizada no dia 20 de abril de 2016, fez uma apresentação sobre a trajetória da Jorge Zahar Editora. A Zahar é uma editora que, embora conte com publicações infantis e de ficção, possui o foco em publicações de educação científica e de ciências humanas e sociais. Parte da palestra foi direcionada para uma exposição das dinâmicas internas no mercado editorial. 

Mauro Gaspar

Mauro é editor, jornalista e tradutor. Idealizou e organizou para a editora Cobogó, com Fred Coelho, a coleção O Livro do Disco, dedicada a livros sobre discos nacionais e estrangeiros. Atualmente, trabalha na editora Zahar.



   
Fundação

Mauro Gaspar iniciou a palestra narrando a história do fundador Jorge Zahar, filho de pai libanês e mãe francesa. Após a vinda da família para o Rio de Janeiro, Jorge Zahar começou a trabalhar com distribuição e importação de livros. Em 1956 fundou a Zahar Editores, que, um ano mais tarde, publicaria seu primeiro livro: a tradução do Manual de Sociologia, de Rumney e Mayer.
Era o início de uma tradição, pois, além de pioneiro, Jorge Zahar tornou-se o maior editor de livros de ciências sociais no Brasil. Há décadas, estudantes universitários e intelectuais brasileiros encontram o nome Zahar na capa de livros que lhes servem como instrumento de trabalho.
O palestrante explicou que nas décadas de 50 e 60 era comum as livrarias no centro da cidade servirem de pontos de encontros para saraus. Segundo Mauro, Jorge Zahar teve a grande ideia de abrir uma livraria perto da faculdade de Ciências Sociais da UFRJ, o que impulsionou suas vendas. Além disso, Zahar percebeu a lacuna de títulos brasileiros nas prateleiras e contratou escritores para criar uma coleção brasileira.
Infelizmente, como eles não entregavam os livros no prazo correto, a coleção acabou não acontecendo. Contudo, as traduções naquela época obtiveram muito sucesso, principalmente as dos livros de psicanálise.

Sobre o processo editorial

O palestrante esclareceu que, na Zahar, a escolha dos livros a serem publicados é feita por um conselho editorial, que discute a relevância da publicação no mercado e sua adequação ao perfil da editora.
Mauro explicou que o processo de produção do livro dura em média dois meses, porque passa por diversas revisões de conteúdo, de gramática, de design, etc. Mas ressaltou que existem exceções, dando como exemplo o livro Destinos da África, que demorou quatro meses em processo devido à tradução, que foi um pouco mais demorada.
Mauro esclareceu que nesse processo existe uma grande preocupação da editora com o plágio de imagens, ou seja, a utilização indevida de fotografias, muitas vezes retiradas da internet pelos designers e colocadas nas capas ou no corpo dos livros, sem as devidas autorizações do fotógrafo ou da pessoa fotografada. Explicou que a Zahar já teve problemas com plágio e por isso eles são enfáticos em não usar imagens de outros nessas condições.  



Mudanças no mercado e selos editoriais

O palestrante falou sobre o impacto das mudanças no mercado editorial. Disse que a Zahar produzia sessenta livros por ano e atualmente, devido à crise, produz apenas quarenta. Mauro Gaspar explicou que, para se manter ou se alçar no mercado, muitas vezes a editora precisa criar linhas diferentes dentro dela. Trata-se da criação de selos, linhas editoriais voltadas para um determinado público com intuito de abrir aquele ramo de mercado.
Nesse sentido, muitas editoras tiveram que abrir um selo infantil para aumentar as suas vendas. A Zahar, inclusive, criou o selo Pequena Zahar. Além desse, eles tiveram que buscar novos caminhos como a edição sobre discos e música um dos novos lançamentos da editora.
 Gaspar ainda citou o exemplo da Editora José Olympio, que se tornou um selo da Ediouro após sua compra pela mesma. Ele disse que essa é cada vez mais a prática das editoras porque, desta forma, elas conseguem criar um selo de livros voltados para a venda, gerando sustentabilidade para que a editora possa lançar livros não comerciais.

Conclusão

A palestra de Mauro Gaspar foi muito esclarecedora quanto à dinâmica de uma editora de médio porte. A história da Zahar, que há mais de meio século vem publicando livros no Brasil, sobrevivendo a diversas crises do mercado, nos ajudou a compreender os desafios da produção editorial.


Por: Antonia de Sousa, Daniela dos Santos e Mery Ellen 

A Azougue Editorial e o trabalho crítico de pensamento


Sergio Cohn é poeta e fundador da Azougue Editorial. Dirige, desde 1994, a Revista Azougue e, em 2001, criou a editora, que funciona no Rio de Janeiro. O ponto de destaque, porque diferencial, da atuação da Azougue no mercado são os trabalhos de pesquisas próprias para suas publicações. Na visão de Sergio Cohn, “o livro é um dos trabalhos dentre todo o trabalho crítico de pensamento que uma editora deve realizar”, porque “a editora é um espaço de cultura”.


Um exemplo desse trabalho de pensamento que acontece dentro da editora é a coleção Encontros. Os livros da coleção, constituídos de entrevistas com escritores, artistas e intelectuais, são geralmente pesquisados, organizados e preparados pela própria equipe da Azougue.Sergio Cohn destaca a coleção como exemplo porque a organização de cada volume leva o nome de quem conseguiu concretizar o livro, quem teve a ideia e reuniu as entrevistas, ainda que não seja parte do corpo editorial. Isso mostra que a Azougue Editorial se constitui como um espaço de cultura muito amplo e livre.
Coleção Encontos

É nesse espaço que se dá a originalidade de suas publicações. Seus projetos não só partem desse trabalho crítico de pensamento como também parecem propor um pensamento crítico ao leitor, que pode estar diante de livros com um conteúdo mais seleto, porém não menos acessível, tanto no conteúdo quanto no preço.

Políticas públicas para o livro: como cativar um público-leitor se não há debate social?

Outro ponto importante colocado foi o problema do não acessoao livro. Sergio Cohn considera essa uma questão premente, já que, como observam todos os profissionais do livro, as políticas públicas não pensaram na questão do acesso. “Dão bibliotecas, mas isso é enxugar o gelo, porque não dão verba para o crescimento do acervo”, lamenta o editor. E quando há verba,esta é direcionada para aquisição de obras de certas editoras, deixando muitas outras de fora. Para Cohn, não só o Estado não pensa de modo contemporâneo a questão do livro como também a sociedade não sabe lidar com isto: “A construção do público leitor é fundamental para um mercado editorial que o sustente”.
Sergio Cohn comenta as bolsas de produção para escritores. Embora constituam uma tentativa de disseminação da cultura literária no país, elas não são de todo eficiente, já que muitos dos livros nem chegam a ser publicados. Ele acredita que essas políticas não são suficientes para a difusão da literatura no Brasil, criticando a falta de debate sobre o que publicar hoje em dia. O editor também aponta a falta de autonomia na escolha de autores nas escolas.

O destaque da identidade nacional na Azougue

Sergio Cohn fala ainda sobre a questão da identidade da editora, que não é desvinculada de uma preocupação com a identidade do país. Diante dessa preocupação social com o livro e a literatura nacional,a Azougue publicou, em 2012, a caixa Poesia.br, uma antologia de poesia nacional dividida em dez volumes. O problema da identidade nacional é trazido à tona jáno primeiro volume, intitulado Cantos Ameríndios. O volume propõe repensar sobre quem foram os primeiros poetas em nosso país e torna ainda mais rica nossa bibliografia.

Coleção Poesia.br


“Tem uma hora que a gente tem que parar de crescer e ser feliz”

O editor da Azougue destaca que “há uma questão de identidade, não só com o público-leitor, mas também com as livrarias”. Para manter esta identidade diante de todo o trabalho crítico de pensamento, há um certo limite de publicações. Sergio Cohn diz que um mercado saudável aceitaria uma editora que publica dois livros por mês, mas o mercado atual cobra que a editora cresça também em quantidade. A respeito disso, vem a frase de impacto da conversa com Sergio Cohn: “Tem uma hora que a gente tem que parar de crescer e ser feliz”, pois a troca com o leitor requer uma calma que o mercado está abolindo. A identidade é ameaçada a partir do momento em que, para se manter, a editora precisa publicar títulos que não se encaixam em seu catálogo.
Ainda em suas palavras, um dos problemas do mercado editorial no Brasil é a a escassez das livrarias em certas cidades, o que faz com que os livros sejam mais caros. Para isto, as bibliotecas públicas seriam uma alternativa se houvesse o incentivo do público-leitor, já citado anteriormente. Como a digitalização dos livros também prejudica a editora, para Sergio Cohn o grande trabalho de política pública no Brasil hoje não é o autor nem a editora: é a livraria de rua. Será esta uma aposta para fortalecer a cultura do livro?



Por: Carolina Machadoe Luana Pereira Mendes

O devir livro da Fada Inflada


Uma parceria de Luiza Leite e Tatiana Podlubny, a Fada Inflada é voltada, principalmente, para a publicação de livros infantis (como o que deu nome à editora logo em seu início, em 2007). A editora já publicou títulos comoA fada inflada (edição de autor, 2007), Azulzim (7 Letras e Fada inflada, 2011), Uns dias (Fada inflada, 2012), Desenhocego (publicado na Revista Carbono, 2013 e lançado pela Fada inflada, 2014), Coisa eperímetro (Fada inflada, 2014). Atualmente desenvolvem o jogo Trevo, de peças modulares, que foi lançado na feira de arte impressa Pão de Forma no Rio de Janeiro, e que participou do Projeto Múltiplo, realizado no Red Bull Station em São Paulo, ambos no ano de 2014. Além disso, a editora participa de diversas feiras literárias como a Miolos, a Tijuana e a Plana.

Azulzim

Por ser uma editora independente, a Fada Inflada não obtém capital ou apoio de instituições e de órgãos públicos, o que lhe dá o privilégio de escolher de formamais livre o que irá publicar. É por isso também que, além da escolha por livros infantis, o trabalho da editora pode agir como militância cultural. É o exemplo do livro-panfleto com os 288 domínios online de Eduardo Cunha agrupados.
  

288 domínios de Eduardo Cunha

Em um mercado influenciado por grandes editoras, é necessário ir para além do que já é apresentado. É imprescindível aproveitar o trato íntimo de um autor e se valer disso como algo singular. A dimensão de um produtor independente torna possível que, associando a ação rápida de publicação aos processos tradicionais, ele adquira mais habilidade para produzir e oferecer inovações, ampliações e até produções em curtos espaços de tempo.
Para as pequenas editoras, o grande problema no processo de intermediação é conseguir colocar os livros que publicam nas prateleiras das livrarias, pois as grandes raramente concordam em incluí-los em seus catálogos. Contudo, é exatamente a diversidade das pequenas editoras que falta hoje no domínio do mercado editorial.
Um fator de diversidade, por exemplo, é o fato de que durante muito tempo os conjuntos de imagens que vinham nas páginas dos livros tinham função de acompanhar as palavras, serviam para tornar o texto mais agradável e suave aos olhos do leitor. Hoje essa possibilidade se alarga. Em alguns livros da Fada Inflada, a ausência de palavras dá lugar aos detalhes dos traços, das cores, da técnica, da espacialidade e da própria materialidade do livro, com um frescor que faz revigorar o que as palavras já haviam antes manifestado. Neles, todo recurso passapor um grande processo de reflexão.
Diante de todas as burocracias dentro do ramo editorial, a Fada Inflada tem uma grande preocupação com o resultado, ou seja,com opróprio livro, não apenas como produto, mas também como objeto artístico. O livro se torna uma plataforma de criação, algo que desperta e chama a atenção. É por isso que a editora vai de encontro às questões vigentes do mercado, que não estão diretamente preocupadas com a criação e a feitura do objeto-livro.
Na observação de alguns livros do catálogo, e também dos que foram apresentados durante a palestrana UNIRIO, é justo dizer que os trabalhosfeitospela editora independente são livros de artista, ou se aproximam deles, pois são arte em forma de livro. Oobjeto, neste caso, é uma plataforma para a arte, e por este motivo o conceito de livro pode ser desconstruído, ou reconstruído.
            Durante a fala de Luiza e Tatiana, pudemos nos remeter a Roger Chartier em seu texto “Dom Quixote na tipografia”, presente no livro Os desafios da escrita, onde ele chega à seguinte conclusão:

Se o corpo do livro é o produto do trabalho feito pelos impressores ou encadernadores, a criação de sua alma não envolve apenas a invenção do autor. A alma é moldada também pelos tipógrafos, editores ou revisores, que se encarregam da pontuação, da ortografia ou do lay-out do texto (CHARTIER, 2002, p.38)

Diante desse pensamento de Chartier, é possível enxergar na Fada Inflada uma preocupação tanto com o corpo quanto com a alma do livro. E é para moldar a alma que entra a questão artística.Segundo Ulises Carrión, citado pelas palestrantes como referência com seu livro Nova arte de fazer livros, um escritor não escreveria livros exatamente, mas textos. O livro é um objeto artístico em si.
Assim, podemos entender que a Fada Inflada funciona através da concordância de ideias,da maleabilidade de projetos, da autonomia e da capacidade de participar de todo o processo de produção, desde a escolha dos títulos, passando pela organização da tradução, até a revisão e as deliberações do projeto gráfico. O trabalho de criação funciona sempre como uma parceria, o que proporciona aos critérios de seleção intelectual da editora também um traço bastante afetivo. É essa possibilidade de contato com outras formas de receber e produzir o livro, como uma dança sem coreografias, que engendra uma outra dimensão à editora independente. Como disse George Steiner em seu O silêncio dos livros, “a maior parte das pessoas não lê livros. Porém, canta e dança”.

Referências:

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. Tradução de Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: UNESP, 2002.


Por: Bruna Christine, Eduardo Tostes e Luciano Pereira